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maio 19, 2006

Pablo Neruda e o Técnico de Laboratório

Ode ao laboratorista

Há um homem
escondido
observa
com um só olho
de ciclope eficiente,
são coisas minúsculas,
sangue,
gotas de água,
olha
e escreve ou conta,
naquela gota
circula o universo,
a via láctea treme
como um pequeno rio,
observa
o homem,
e anota,

no sangue
minúsculos pontos vermelhos,
planetas em movimento
ou invasões
de fabulosos regimentos brancos,
o homem
com o seu olho
anota,
escreve
ali contido
o vulcão da vida,
o esperma
com a sua titilação de firmamento,
como aparece
veloz o tesouro
trémulo,
as sementezinhas do homem,
logo
em seu círculo pálido
uma gota
de urina
mostra países de âmbar
ou na tua carne
montanhas de ametista
pradarias ondulantes,
verdes constelações ,
no entanto
ele anota, escreve,
descobre
uma ameaça,
um ponto dividido,
um halo negro,
identifica-o, encontra
o seu prontuário,
já não pode escapar-se,
repentina
no teu corpo será a caçada,
a batalha
que começou no olho
do laboratorista:
será de noite, junto
à mãe morte,
junto ao menino as asas
de espanto invisível,
a batalha na ferida,
tudo
começou
com o homem
e o seu olho
que procurava
no céu
do sangue
uma estrela maligna.
Ali, de bata branca
segue
procurando
o sinal,
o número,
a cor
da morte
ou da vida,

decifrando
a textura
da dor, descobrindo
o emblema da febre
ou o primeiro sintoma
do crescimento humano.

Logo
o descobridor
desconhecido,
o homem
que viajou pelas tuas veias
ou denunciou
um viajante mascarado,
no Sul ou no Norte
das tuas vísceras,
o temível
homem com o olho
pega no seu chapéu,
põe-no,
acende um cigarro
e sai para a rua,
move-se, desprendido
espalha-se pelas ruas,
junta-se à massa dos homens,
por fim desaparece
como o dragão
o monstro diminuto e circulante
que ficou abandonado numa gota
no laboratório.

maio 15, 2006

Chave

CHAVE

Por Keven Allen Cotter

Encontrei uma chave dentro de mim,
Ela pareceu estranha para começar,
Eu pensei, não vai funcionar.
Mas essa chave interna veja só,
Podia minha sede aplacar,
Sem falhar.


Para minha sede de amor,
Ela servia muito bem.
Para minha sede da verdade
Meus lábios dizerem, também.
Para minha sede de conhecimento
Ela era sem par.
Idem para minha sede de liberdade,
Que agora posso aproveitar.

Essa pequena chave dentro de mim,
Logo descobri, tinha uma consorte.
Para minha mente espantada veja só,
Que golpe de sorte.
E logo descobri que com minhas chaves gêmeas,
Eu podia abrir o portão mais forte.

Pequenas chaves em forma de amêndoas,
Atrás dos meus olhos é o seu lugar.
Chaves para todo o tempo e espaço,
Sempre lá e prontas para VOAR!

abril 16, 2006

Déficit de Atenção?

Estes versos de JACQUES PRÉVERT parecem descrever crianças com déficit de atenção-ou seriam crianças normais?

PÁGINA DE ESCRITA

Dois e dois quatro
quatro e quatro oito
oito e oito dezasseis…
Repitam! Diz o professor
Dois e dois quatro
quatro e quatro oito
oito e oito dezasseis.
Mas eis que o pássaro da poesia
passa no céu
a criança vê-o
a criança ouve-o
a criança chama-o:
Salva-me
brinca comigo
pássaro!
Então o pássaro desce
e brinca com a criança
Dois e dois quatro…
Repitam! Diz o professor
e a criança brinca
e o pássaro brinca com ela…
Quatro e quatro oito
oito e oito dezasseis
e dezasseis e dezasseis quanto é que faz?
Dezasseis e dezasseis não faz nada
e sobretudo não faz trinta e dois
e de qualquer maneira
eles vão-se embora.
A criança escondeu o pássaro
na sua carteira
e todas as crianças
ouvem a música
e oito e oito por sua vez também se vão
e quatro e quatro e dois e dois
por sua vez desaparecem
e um e um não fazem nem um nem dois
um e um também se vão dali.
E o pássaro da poesia brinca
e a criança canta
e o professor grita:
deixem de fazer palhaçadas!
Mas todas as outras crianças
escutam a música
e as paredes da sala
desmoronam-se tranquilamente.
E os vidros voltam a ser areia
a tinta volta a ser água
as carteiras voltam a ser árvores
o giz volta ser falésia
e a caneta volta a ser pássaro.


Tradução de José Fanha