Pablo Neruda e o Técnico de Laboratório
Há um homem
escondido
observa
com um só olho
de ciclope eficiente,
são coisas minúsculas,
sangue,
gotas de água,
olha
e escreve ou conta,
naquela gota
circula o universo,
a via láctea treme
como um pequeno rio,
observa
o homem,
e anota,
no sangue
minúsculos pontos vermelhos,
planetas em movimento
ou invasões
de fabulosos regimentos brancos,
o homem
com o seu olho
anota,
escreve
ali contido
o vulcão da vida,
o esperma
com a sua titilação de firmamento,
como aparece
veloz o tesouro
trémulo,
as sementezinhas do homem,
logo
em seu círculo pálido
uma gota
de urina
mostra países de âmbar
ou na tua carne
montanhas de ametista
pradarias ondulantes,
verdes constelações ,
no entanto
ele anota, escreve,
descobre
uma ameaça,
um ponto dividido,
um halo negro,
identifica-o, encontra
o seu prontuário,
já não pode escapar-se,
repentina
no teu corpo será a caçada,
a batalha
que começou no olho
do laboratorista:
será de noite, junto
à mãe morte,
junto ao menino as asas
de espanto invisível,
a batalha na ferida,
tudo
começou
com o homem
e o seu olho
que procurava
no céu
do sangue
uma estrela maligna.
Ali, de bata branca
segue
procurando
o sinal,
o número,
a cor
da morte
ou da vida,
decifrando
a textura
da dor, descobrindo
o emblema da febre
ou o primeiro sintoma
do crescimento humano.
Logo
o descobridor
desconhecido,
o homem
que viajou pelas tuas veias
ou denunciou
um viajante mascarado,
no Sul ou no Norte
das tuas vísceras,
o temível
homem com o olho
pega no seu chapéu,
põe-no,
acende um cigarro
e sai para a rua,
move-se, desprendido
espalha-se pelas ruas,
junta-se à massa dos homens,
por fim desaparece
como o dragão
o monstro diminuto e circulante
que ficou abandonado numa gota
no laboratório.